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segunda-feira, 14 de março de 2011

DIA NACIONAL DA POESIA - "POETAS MARGINAIS"

No Dia da Poesia (14 de março), provavelmente muitos se remeterão aos grandes poetas para comemorar. Preferi voltar à década de 1970 para relembrar os poetas que ficaram conhecidos como “poetas marginais”. Era uma época difícil, vivíamos sob uma ditadura militar, havia muita repressão e nenhuma liberdade de expressão.

Jovens poetas sem acesso às editoras e “loucos” para mostrar seus trabalhos, lançaram mão de uma alternativa: produzir seus próprios livros. Os livretos eram feitos de forma artesanal, mimeografados ou “xerocados”, grampeados ou não, eram vendidos pelos próprios poetas em bares, shows, principalmente, de rock, teatros, ruas e praças da zona sul do Rio de Janeiro. Essa prática levou-os, também, a ficarem conhecidos como a “geração do mimeógrafo”.

A expressão “marginal”, normalmente, nos remete a coisa à margem da lei, mas neste caso o termo refere-se à dificuldade dos poetas em publicar seus poemas pelas editoras. O termo “marginal” foi criado pela professora Heloisa Buarque de Hollanda, que à época organizou a antologia ”26 Poetas Hoje”, reunindo, como percebemos pelo titulo, poemas de 26 poetas “marginais”. O lançamento do livro provocou grande polêmica no meio acadêmico.

Dentre os inúmeros poetas “marginais” podemos citar: Chacal (Ricardo de Carvalho Duarte) (1951), Torquato Neto (1944-1972), Wally Salomão (1943-2003), Geraldo Carneiro (1952), Cacaso (Antônio Carlos de Brito) (1944-1987), Ana Cristina César (1952-1983), José Carlos Capinam (1941).

Abaixo poesias retiradas do livro “26 Poetas Hoje” organizado pela professora Heloisa Buarque de Hollanda.




PSICOGRAFIA
(Ana Cristina Cesar)

 Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não soube e digo
da palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto



AQUARELA
(Cacaso)

O corpo no cavalete
é um pássaro que agoniza
exausto do próprio grito.
As vísceras vasculhadas
principiam a contagem
regressiva.
No assoalho o sangue
se decompõe em matizes
que a brisa beija e balança:
o verde – de nossas matas
o amarelo – de nosso ouro
o azul – de nosso céu
o branco o negro o negro




POETA E REALIDADE (O POETA DE SI)
(Capinam)

Vezes me surpreendo
com os olhos no céu,
admirado de hábitos
que julgava não ter.

Alguma estrela procuro
ou procuro a mim mesmo
com quem convivo
e desconheço?

(E faz o troco consigo
no jogo de seu enigma
entre ser e não ser que fosse
senão forma de elegia

por si, já desconhecido
pelos sentidos:
ser estranho, além de si,
como indivíduo.

E vezes pode se açoitar,
chorar-se e querer
com o mesmo gozo e desejo
com qual se açoita, chora e se quer

o diverso amante
Sendo o nenhum e o dobro de si ao mesmo instante).



PAPO DE ÍNDIO
(Chacal)

Veio uns ômi di saia preta
cheiu di caixinha e pó branco
qui êles disserum qui chamava açucri
Aí êles falaram e nós fechamu a cara
depois êles arrepitirum e nós fechamu o corpo
Aí êles insistiram e nós comemu êles.
                                          

                                                             FOTO: VALDECI DE OLIVEIRA


BELLADONA, LADY OF THE ROCKS
(Geraldo Carneiro)

você pode mexer com as quatro cabeças
sem que elas tragam algum malefício
sem que elas exalem o cheiro terroso
das raízes
você pode mexer com as quatro cabeças
e ocultá-las sob o lençol
debaixo das telhas
você pode espremer as quatro cabeças
e fazer com que escorra seu caldo grosso
para dar de beber aos estranhos
para dar de beber à família
você pode dançar sobre as quatro cabeças
sem que sintam sua falta no Jantar de Bodas
sem que sintam sua falta
depois você se tranca no quarto
e põe um disco na vitrola




COGITO
(Torquato Neto)

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.




CONFEITARIA MARSEILLAISE – DOCES E ROCAMBOLES
(Wally Salomão)

Caçadas
Experimentados no manejo de armas de fogo 3 filhotes
infantes da burguesia empunham arma/ 1 empunha
revólver/ 2 empunham espingardas. O aéreo esmaga folhas
de eucalipto de encontro ao nariz enquanto de noite
sonhei com um batalhão policial me exigindo
identificação/ revistaram a maloca do fundo do meu
bolso/ mostrei babilaques/ me entreguei descontento
pero calmamente/ nada foi encontrado que incriminasse
o detido no boletim de averiguações depois de
batido, telex pra todas as delegacias.
Vadiagem.




















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